segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Lucilo da Costa Pinto


Lucilo da Costa Pinto
Por Osmário Santos

Lucilo da Costa Pinto nasceu a 23 de setembro de 1913, em Olinda, Pernambuco. É filho de Ricardo José da Costa Pinto e Alice Barreto da Costa Pinto.

Estudou Medicina em Recife e casou já doutorando com Célia Albuquerque. Por problemas políticos, vivendo a época da ditadura de Vargas, já formado, sentia a constante presença da polícia na sua vida. Meu pai tinha consultório na rua da Aurora. Fui para lá, eu recém-formado e a polícia estava na porta me vigiando. Ia para casa e a polícia na esquina.

Não foi possível sua presença na formatura junto ao grupo de colegas de turma, nem pôde fazer parte do quadro. Recebeu o diploma na secretaria da faculdade, tempos depois, pois estava preso na época. Abandonou sua terra, fugindo das perseguições do Interventor Federal em Pernambuco, Agamenon Magalhães. Percebendo que ia levar uma vida insustentável, sem poder fazer nada, aceitou o convite do professor Joaquim Sobral, que mandou a Recife um emissário para procurar um professor de Química. Chegou em Aracaju em 1939.

Tendo oito filhos do seu casamento com Célia Albuquerque da Costa Pinto, já falecida, trouxe na época, além da bagagem, a mulher e três filhos: Rosa, Carlos e Marcos Túlio, recém-nascido. Como precisava sair urgentemente de Pernambuco, ficou muito satisfeito com o emprego de professor do Atheneu, recebendo 165.000 réis. Depois passaram para 300.000 réis, melhoraram. Foi nomeado professor de Química e ensinava pré-Engenharia e pré-Medicina Química. Era a presença no Atheneu de um professor do mais alto gabarito. Chegou a ensinar diversas matérias. Ensinei Química no Colégio Tobias Barreto e no antigo Colégio das Freiras. Como professor do segundo grau, Costa Pinto lembra fatos importantes da sua vida.

Meu concurso em 1945 foi uma coisa que me marcou profundamente. Fui enfrentar a banca examinadora para catedrático do Atheneu. Como estávamos na época da guerra, a luz era cortada. Eu escrevi minha tese com dois candeeiros de querosene. Não tive dinheiro para imprimir e mimeografei. Tinha que dar dez volumes ao Atheneu e dinheiro que é bom nada... Então, o professor Acrísio Cruz me disse: ‘Olha! Eu trabalho numa secretaria que tem um mimeógrafo. Você que mimeografar?’ Fiz 50 exemplares do meu trabalho intitulado ‘Contribuição ao Estudo da Fisiologia do Timo’ (uma glândula de secreção interna). Foram oito meses de pesquisa para garantir meu ingresso no concurso e enfrentar a temida banca julgadora.

Costa Pinto lembra dos professores que enfrentou na banca: Oscar Nascimento, que foi um dos maiores didatas de Sergipe; professor Alfredo Montes, Dr. Clóvis Conceição e Dr. Garcia Moreno.

Da época do seu contato com os alunos do Atheneu, lembra um episódio que envolveu a polícia e os estudantes. Houve uma das greves feitas pelos alunos e eu, com o meu espírito de político, fiquei do lado dos meninos. Era Interventor Federal o general Maynard Gomes, que mandou cercar o Atheneu pela cavalaria da polícia. Eu achei uma afronta fazer isso com os estudantes secundaristas que estavam liderados pelo Tertuliano Azevedo, hoje figura política de atuação em Sergipe.

O Tertuliano estava à frente da estudantada, quando percebi que os investigadores já estavam pulando o muro do Atheneu de revólver na mão. Eu, então, saí com o professor Abdias e fomos ao palácio fazer o nosso protesto ao Interventor. Ele nos atendeu e nos disse que não tinha autorizado. Mandou chamar o chefe da polícia e ordenou a retirada da cavalaria imediatamente. Voltei com o professor Abdias e prometemos que iríamos trabalhar para acabar a manifestação. No Atheneu, o professor Abdias fez uma preleção e tudo foi resolvido a contento. Isso foi para mim um fato histórico e marcante na minha vida.

Em 1941, montou o seu consultório. Subloquei um consultório com o Dr. Garcia Moreno no edifício defronte dos Correios e Telégrafos. No prédio, havia alguns consultórios, o de Dr. Manoel Cardoso, dentista recém-formado; Dr. Paulo Faro, também recém-formado, Dr. Garcia Moreno e o meu.

Costa Pinto já tinha dois anos em Aracaju e trabalhava, até então, somente como professor do Atheneu. Seu ingresso na Medicina em Sergipe foi de suma importância, pois Aracaju já necessitava de um especialista em Urologia. Não havia urologista com curso de especialidade em Aracaju. Passei dezessete anos sem ter concorrente e não tenho um tostão ganho em Medicina. Costa Pinto diz isso, sem nenhuma queixa.

A Medicina, naquela época, era, na verdade, uma supremacia de sacerdócio. Um ganha pão. O dinheiro era secundário. O exemplo do Dr. Augusto Leite, o fundador da Medicina em Sergipe. Foi um grande cirurgião e morreu pobre. Não tinha nada. Tinha uma aposentadoria do Hospital Cirurgia que dava um conto de réis por mês. Ele tinha bens de família, mas ganho em Medicina, nada! Tinha uma conta financeira ridícula e quase todos os médicos, como o D. Juliano Simões, morreram pobre. Fez uma casinha, depois de não sei quantos anos de especialidade. Em geral, os médicos que tinham posses eram os que tinham heranças; já eram ricos. Mas os que se formaram pobres, morreram pobres. Eram um sacerdócio, mesmo!

Uma medicina onde inicialmente o médico atendia ao paciente, para depois receber o seu honorário e, quando podia receber... Um paciente chegava e dizia: “Olha, doutor, eu quero saber a sua conta, pois o dinheirinho que trouxe só deu para pagar o hospital. O seu depois mando”. Quanto pagou de hospital? “Paguei um conto e quinhentos”. Depois você me manda quinhentos mil réis... Olha que era um bom dinheiro pois sustentava a família com trezentos mil réis. E quando recebia? Mas o lado do médico humanista tinha sua compensação: recebia muitos presentes, principalmente os famosos capões do interior, bons...

Era uma maneira de o paciente manifestar a sua gratidão dentro de suas posses. Era muito melhor assim, a gente se sentia muito mais confortado e realizado, quando tratava um pobre e um mês, dois, um ano depois, vinha com um capão de presente. A gente não ganhava o dinheiro, mas recebia uma gratidão eterna. Eu conheço, hoje, gente em Aracaju que operei há quarenta anos atrás e, quando me encontra na rua, é uma festa.

Não se compara as condições de um centro cirúrgico do passado com as de hoje. Hoje, a medicina dispõe de aparelhos sofisticados de anestesia, mas a gente tinha um tal aparelho ombretano, uma máscara pesadíssima que colocava no rosto do paciente. Não tinha balão de oxigênio, não tinha nada. Quando o doente ficava um pouco arroxeado com pouco oxigênio, o anestesista suspendia o aparelho para o doente respirar o ar atmosférico.

O Dr. Costa Pinto conta um dos momentos cruciais em sua profissão. Eu operei a próstata do pai de um colega meu. Foi a maior próstata que tirei no Estado de Sergipe, enorme. Aplicamos todos os recursos disponíveis da Medicina. Então, o doente começou a perder sangue, e tome sangue, tome sangue e a pressão baixando e a coisa ficou séria. Ao meu lado estava o Dr. José Augusto Barreto, cardiologista, recém-formado, que atendeu o meu convite para transfusão, e o cirurgião Fernando Sampaio, já falecido. Uma equipe boa, que formei para me ajudar nessa operação. Lutamos de nove horas da manhã até às três horas da madrugada do dia seguinte. Como o doente estava como morto, eu então cheguei junto da irmã Clara e disse: “Irmã, eu estou cansado e vou deixar o atestado de óbito assinado”. Ela então disse: “Doutor, o senhor quer se antecipar a Deus? Se o homem não morrer, doutor?” Para mim, foi uma lição. Fui para casa. Naquele tempo, morava na rua Siriri. Sete horas da manhã o meu enfermeiro, o Moreira, bateu à porta. Quando abri, estava o enfermeiro e o filho mais velho do paciente, que era bancário do Banco do Brasil e os dois rindo. Eu disse: O que foi que houve? Meu pai mandou chamar. Quer saber se pode tomar um mingau.

A política já estava presente em sua vida, pois seu pai era político. Quando chegou em Aracaju, já trouxe a carta de apresentação de um amigo de Recife que conhecia Walter Franco, irmão do Dr. Augusto Franco.

Tinha um banco aqui na rua da Frente, o Banco Indústria e Comércio. O Walter Franco, o Zezé Franco, os três irmãos, se não me engano. Então, fui ao banco, apresentar a carta. Por coincidência, no momento, estava no banco o Dr. Leandro Maciel. Quando entreguei a carta ao Walter, depois de ler, ele disse: ‘Leandro, aqui está um pernambucano, médico, veio para ensinar no Atheneu’. Pois bem, o Dr. Leandro logo fez o convite para eu ir a sua casa. Como o homem era o chefe político de oposição do Estado, eu fiquei com ele até a Revolução de 1964 que acabou com os partidos.

Foram mais de vinte anos com a UDN. Costa Pinto conseguiu uma suplência na Assembléia Legislativa e, por alguns meses, chegou a ser deputado estadual. Foi candidato a prefeito da capital pela UDN e perdeu para Godofredo Diniz.

Sendo contra a ditadura, ingressou no MDB. Foi um dos seus fundadores em Sergipe com ficha de inscrição de número nove. Foi vereador de Aracaju pelo partido por nove anos e meio. Participou de memoráveis campanhas e resolveu deixar a política. Acabou a ditadura e eu, então, não queria mais saber de política. Afastei-me de tudo, pois sempre fiz política por idealismo e não com interesse.

Um dos comícios mais interessantes foi o realizado em Propriá. Certa feita em Propriá, num comício, o povo estava de braços cruzados. O povo de lá é duro para comício. Falaram onze oradores. Um amigo, que era contrário, da ARENA, disse-me: “Muitos discursos e o povo sem bater palmas. Eu não falei ainda. Costa, eu reconheço que você é um bom orador popular, mas vou apostar uma garrafa de whisky como você não arranca as palmas do povo de Propriá”. E eu apostei. Saí e fui para casa onde estava hospedado. Lá, tinha na parede uma espada. Perguntei à filha do dono da casa de quem era a espada. Foi do meu avô que era Guarda Nacional. Pedi a espada e uma toalha de banho e prometi trazer logo de volta. Quando subi no caminhão que era o palanque, Oviêdo me disse: “que armada Costa Pinto está aprontando? O que é esse negócio enrolado na toalha?” Eu, calado. Quando chegou a minha vez, uma hora da manhã, para encerrar o comício, o locutor Jaime Araújo passou o microfone. Pedi para ele segurá-lo, peguei a espada e apontei para o povo e gritei: Eis o símbolo da revolução que nos tortura. Foi um delírio.

Costa Pinto atuou na Educação, na Medicina e na Política, além de trabalhar na Igreja Católica. Chegou a ser o orador, em nome do clero sergipano, para saudar o bispo D. Fernando Gomes na sua chegada, para tomar posse na Diocese de Aracaju. É um pai de grande dedicação aos filhos, netos e bisnetos.

Sou um homem realizado. Até com os meus fracassos. Caio, levanto-me, vou adiante. Não deixo de comprar uma coisa para guardar dinheiro. Não sou daquele tipo de pessoa que vê um queijo, tem vontade de comer e guarda o dinheiro. Quem guarda com fome, o rato come, não é?

Lucilo da Costa Pinto faleceu em 01 de fevereiro de 1995.

Texto publicado no Jornal da Cidade em 30/09/2013.
Foto e texto reproduzidos do site: osmario.com.br

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 30 de setembro de 2013.

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