sábado, 21 de setembro de 2013

Mostra expõe trabalhos do artista Arthur Bispo do Rosário



 Frederico Morais (Reprodução/GloboNews).

Walter Firmo (Reprodução/GloboNews).

GNews - Starte - g1.globo.com/globo-news.
Edição do dia 18/09/2013.

Mostra expõe trabalhos do artista Arthur Bispo do Rosário
Ver as obras de Bispo é uma experiência diferente. Ele é o único a expor dentro de um hospital psiquiátrico, cuja historia é inseparável à do artista.

As terras junto ao Parque da Pedra Branca, onde fica a Colônia Juliano Moreira, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, têm o tamanho de Copacabana. Imagens gravadas em 1980 mostram a paisagem bucólica de uma fazenda por onde se espalhavam construções históricas.

Há 33 anos, quando a câmera de Johnson Gouveia entrou com o repórter do fantástico Samuel Wainer Filho nos corredores, foi possível ver celas e refeitórios onde sobreviviam confinados milhares de pacientes psiquiátricos.

No meio das imagens de horror que mostram cenas desumanas, a figura de um homem negro que usava agulha e linha para bordar seus panos foi vista pelo Brasil inteiro. Era a primeira revelação da obra de Arthur Bispo do Rosário.

Os textos do crítico Frederico Morais, disponíveis no livro ‘Bispo do Rosário - arte além da loucura’, ajudam a compreender um universo tão complexo. Organizada pela psicanalista e pesquisadora Flávia Corpas, a obra já pode ser considerada um marco.
Frederico Morais voltou à Colônia Juliano Moreira, onde esteve há 31 anos. Suas memórias sobre o lugar e o encontro com bispo são vivas, como suas reflexões.
“Esse primeiro encontro foi à distância, era uma imagem da televisão, do Fantástico. O que me surpreendeu foi ver em meio aquela barafunda, aquela quantidade de objetos e dejetos acumulados no Pavilhão Ulisses Viana, uma pessoa já um pouco carcomida, aparentando um estado de saúde precário, mas que estava bordando. Então eu tive uma intuição que essa pessoa estava tentando exatamente contar um pouco da sua historia de uma maneira que fosse mais definitiva. Ele não estava nem só desenhando nem só escrevendo, ele estava bordando, o que tem uma resistência em relação ao tempo. Me veio juntamente essa sensação de o louco era considerado quase como um objeto ou mesmo um dejeto, ou seja, ele não tem história, sentimento, inteligência, iniciativa. Aquela imagem inicial me pareceu contraria a tudo isso e ficou na minha cabeça”, conta o crítico de arte.

Ver as obras de Bispo no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea é uma experiência diferente. É o único museu a expor dentro de um hospital psiquiátrico, cuja historia é inseparável do artista. Criada em 1982, a instituição guarda o acervo de cerca de 800 obras. São como dicionários bordados com imagens e palavras.

A determinação com que Flavia Corpas realiza sua pesquisa tem trazido à tona importantes descobertas, documentos que completam as lacunas sobre a vida do artista. “O Bispo interessa à arte contemporânea porque ele fala da relação com o sujeito com o objeto, com as coisas. Ele desloca os objetos do uso cotidiano e dá um novo uso. É como se ele mostrasse para a gente que os objetos nos interrogam sobre a nossa própria vida”, explica a curadora de arte.

Documentário em instituição.

Imagens do documentário ‘Prisioneiro da Passagem’, que o psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart filmou em 1983 na Colônia Juliano Moreira para o Ministério da Saúde, mostram uma entrevista de 30 minutos que fortaleceu as convicções do psicanalista sobre o sistema de confinamento e internação de doentes mentais.

“Eu tinha uma preocupação de saber como os pacientes que estão internados há um longo tempo em uma instituição psiquiátrica resistem à degradação imposta pela instituição. Muito me espantou de encontrar o Bispo produzindo seu trabalho. Ele era dono de um lugar, considerado por alguns teóricos a própria construção da arte. Ele tinha a chave. Se a gente pensar que dentro de um hospital psiquiátrico, que trabalha com o genocídio e o etnocídio, jamais se podia imaginar que um trabalho como o dele pudesse acontecer. Ele trabalhava 24 horas por dia. Era um sujeito de coragem extrema para enfrentar uma instituição psiquiátrica fascista e violenta e se lançar contra a paranoia dele, que é uma dor insuportável. Poucos homens são capazes de enfrentar tanta dor, de uma maneira absolutamente brilhante. Foi uma honra conhecê-lo”, diz o psicanalista.

Outra câmera dá voz ao Bispo.

As imagens do jogo de xadrez entre Bispo do Rosário e o jornalista Fernando Gabeira foram gravadas em 1984 para uma série de Gabeira que se chamava ‘Vídeo cartas’. É um exemplo do quanto a obra de Arthur Bispo do Rosário provocava o interesse de pessoas de diferentes áreas, emocionadas com a produção daquele homem que ouvia vozes e trabalhava sem parar.

“Eu não tenho noção de nada, tudo é de acordo com o que ele manda que eu faça. Faça isso, faça aquilo, e eu sou obrigado a fazer”, contou Bispo do Rosário ao jornalista.

“A primeira coisa que ele quis me mostrar foi o manto que ele teceu para ir ao céu, para seu encontro com Jesus. Era um encontro com Deus. Ele sempre foi muito religioso e, segundo ele me disse, foi colocado no manicômio porque achava que era Jesus Cristo. Eu fiquei muito impressionado não só com todos os objetos que ele construiu, mas como ele pensava na sua transcendência, na sua ida para o céu vestido da maneira que ele achava que as pessoas deveriam estar vestidas diante de Deus. Era realmente um manto maravilhoso, que representava a grande dimensão artística e a concepção dele do ser humano, que era a mais elevada possível”, conta Gabeira.

Registro histórico.

Se podemos conhecer um pouco mais de Bispo do Rosário isso se deve ao trabalho feito por Walter Firmo, mestre da fotografia brasileira que realizou o mais importante registro fotográfico sobre o artista. Nas 28 imagens é possível encontrar um Bispo espontâneo e teatral, que aceitou embarcar nas sugestões de Firmo.

“Eu nunca tinha ouvido falar no Bispo. Essa é a vantagem de estar no mundo jornalístico: fazer história quando menos se espera. Vi essa entidade, essa peça. Eu cheguei lá e entrei em um mundo que achei que não existe. Aquele personagem era o meu artista favorito naquele momento. Eu dizia: ‘Deita, senta, levanta’. E ele fazia tudo que eu pedia. Era um homem de uma bondade extrema, foram três dias de plena convivência. Eu aprendi muito com ele, a ter paciência com as coisas, se encontrar consigo próprio na solidão”, conta.

Imagens e texto reproduzidos do site: g1.globo.com/globo-news

Fotos: Reprodução GloboNews.


Clique no link abaixo para assistir ao vídeo do Programa Starte, da GloboNews.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, em 19 de setembro de 2013.

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