sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O jornalista e contista Célio Nunes


Publicação de 6 de novembro de 2009.

O jornalista e contista Célio Nunes
Por GILFRANCISCO*

Foi durante a realização do V Fórum de Poesia, em outubro de 1993, onde apresentei uma comunicação sobre Vladimir Maiakóvski (1893-1930), que conheci pessoalmente Célio Nunes, apresentado pelo jornalista Paulo Afonso Cardoso da Silva, época em que era diretor de redação do extinto Jornal da Manhã (hoje Correio de Sergipe), cujas páginas abrigou o suplemento cultural Arte & Palavra (1990-1993), por ele idealizado.

Célio Nunes da Silva nasceu a 11 de outubro de 1938 em Aracaju, filho de José Nunes da Silva e Júlia Canna Brasil e Silva, fez seus estudos nesta capital, primeiramente no grupo General Valadão e depois no colégio Atheneu Sergipense. Seu pai, operário gráfico, de jornais e da Escola Industrial (antiga Escola Técnica), foi lider classista, desde á década de 20, ligado ao movimento comunista e ao Centro Operário Sergipano, onde fervia todo o movimento operário sindical, inclusive com passeatas, greves e edições de jornais. Por isso foi preso em 1935, pelo Interventor Eronides de Carvalho, voltando a ser processado pelo golpe militar de 1964.

Aos 22 anos de idade foi residir na Bahia, em Salvador e em Itabuna, região Sul, onde morou por mais de uma década, exercendo o jornalismo profissional - foi repórter, redator e correspondente no Sul da Bahia dos jornais: Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia e A Tarde;- trabalhou em jornais de Itabuna e Ilhéus - e exerceu funções públicas no Estado da Bahia, entre as quais Diretor da Divisão de Cultura da Prefeitura de Itabuna e Diretor da Câmara Municipal de Itabuna. Célio Nunes participou ativamente do movimento cultural do Sul da Bahia, inclusive do movimento de Teatro Amador. Teve publicados trabalhos literários, principalmente, contos, em jornais, revistas e coletâneas na Bahia: Conto 2, Itabuna, 1967 e Moderno Conto da Região Cacaueira (org.) Telmo Padilha (1930-1997), 1978.

Em 1972 retornou a Sergipe, trabalhando na impressa e no serviço público. Foi incluído nas antologias, Contos e Contistas Sergipanos (org.) Núbia Marques (1929-1999 ), 1972; e Prosa Sergipana (org.) José Olyntho e Márcia Maria, 1992. Em 1980, publica Trajetória para a Ilha dos Encantados, Aracaju, Edições Desencanto, 94 pp., em que reúne contos produzidos entre 1965 e fim dos anos setenta, segundo ele, “ Elaborados em várias épocas, não sei se apresentam algo característico/individual que permaneça implícito na minha saga no mundo da ficção. Desde cedo que escrevo, coloco na gaveta, retomo idéias, grande parte de trabalhos abandono, renego, rasgo, perco, outra parte guardo como significação apenas de um momento, lado afetivo/sentimental; a angústia existencial, os caminhos e descaminhos, o pré-auto-jugamento, são obstáculos na decisão de divulgar o que às vezes considero sem significação”.

Naquele tempo de dispersão e oportunismo, o contista Célio Nunes é um dos que reagiram e optaram pela transgressão da linguagem, com um espírito requintado, carregado pelo fetiche da arte de narrar. Com a publicação de Réquiem para José Eleutério (abas de Léo A. Mittaraquis), Aracaju, Funcaju, 224 pp, 2000, Célio Nunes parece assumir, de uma vez por todas, a magia de transformar palavras em imagens, imagens em vivências capazes de impressionar profundamente o leitor. Não é preciso avançar muito em sua leitura para que a essência da obra se revele. Os contos de Réquiem para José Eleutério (quinze contos e uma novela), possuem uma homogeneidade de concepção que os situa numa mesma pauta e num mesmo ritmo de realização formal.

Célio Nunes, finalmente, retoma a sua trilha, na perplexidade da sua caminhada entre desencontros, mistérios e indagações, com a determinação única de contar histórias e com a convicção de que não está sozinho, pois necessita dividir suas angústias, desilusões e ilusões. Tendo como matéria-prima, o dia-a-dia, Célio Nunes o transforma em seus contos de maneira magistral, extraindo do cotidiano o humor, o drama, a ironia, o lirismo, a luta, o sonho humano, o brilho das ilusões, o agudo, mistério dos encontros e os caminhos que se cruzam e entrecruzam.

O contista Célio Nunes, como uma energia da natureza, cuja voz é a própria matéria germinal do universo, consegue em seus contos ilustrar com clareza seu pensamento, procedendo por um preciso esquema de montagem, para chegar à demonstração do que é ser um bom contista, entregando ao leitor uma valiosa contribuição na leitura daquilo que acontece. Como ficcionista, Célio Nunes nos dá mostras de profundo conhecimento da matéria e de incomum e lúcida capacidade de penetração, quanto a forma, ao processo da narrativa e à construção de idéias.

Escritor singular tanto na inventividade quanto na armação plástica de cada conto, Célio Nunes utiliza-se de uma linguagem enxuta, estilizada, incensurável que sobrevem como uma resultante desse fluxo poético que valoriza definitivamente sua narrativa. Apesar de todos seus vaivéns, e ainda com todas suas contradições, é um dos poucos nomes mais significativos, tanto por sua qualidade própria, como por sua influência, no conto das últimas décadas nas letras sergipanas, embora mantendo-se relativamente à margem desse processo. Por isso sua contribuição é mais difícil de reconhecer, o que não implica seja menos poderosa e atuante ao longo dos anos.
Outro aspecto que destaca o contista Célio Nunes é que está sempre de olhos bem abertos, fala dos intricados caminhos das relações humanas; as palavras têm a generosidade e o desespero de se darem a ver, a sentir, tudo aqui e agora, em perfeita sintonia com a visualidade do nosso tempo.

É preciso remarcar ainda a presença de uma linguagem amadurecida e forte, a boa capacidade de fabulação, que dão a esperança de que Célio Nunes tenha mais coisas para nos oferecer. Em 2005, publicou mais outro de contos; O Diário de W. J. e outras histórias. O conjunto de sua obra foi saudado pela crítica especializada, comprovando o talento deste que é hoje um dos mais importantes autores sergipanos. Como cronista literário, através da coluna "De 7 Em 7", atuou no jornal semanário, Cinform, entre os anos de 2005 e 2006.

Microcontos

Levado pelos amigos Paulo Afonso Cardoso e Wagner Ribeiro que insistiam na publicação do livro Microcontos, Célio Nunes, juntamente com o filho e também jornalista Claudio Nunes, procurou o diretor-presidente da Segrase - Serviços Gráficos de Sergipe, Luiz Eduardo Oliva, para viabilizar a edição através da Editora do Diário Oficial. Acertada a parceria e iniciada a editoração, fomos surpreendidos com a morte súbita do autor.

Experimentalista de grande humor e criatividade literária, Célio Nunes é o autor de reconhecida literariedade. Em Microcontos, demonstra mais uma vez seu talento de contista, exibindo uma técnica narrativa muito moderna, numa ficção altamente criativa, para atingir a técnica mais apurada do contador de casos, escrevendo em estilo desenvolto e preciso. Cada conto de Célio Nunes é uma metáfora do real, parte sempre da realidade concreta e a transfigura: partindo de um simples episódio, constrói o seu micromundo ficcional, captando pedaços de vida, aspectos escondidos da realidade, um olhar quase oculto, um rosto, um segredo, um silêncio.

Em Microcontos, o contista megulha em si mesma, numa sondagem da próprio intimidade, uma literatura composta numa linguagem abrandada e doce, como se desejasse penetrar no interior das coisas. Nesse mais recente trabalho procurou a transcedência - o lugar de todos os tempos, fora do tempo, o único espaço que escapa à morte. Nestes anos de atividade intelectual Célio Nunes publicou. além dos quatro livros de contos, centenas de artigos literários, cuja a diversidade e engajamento formam as duas características que mais ressaltam em sua obra. Como poucos deu a sua obra um caráter empenhador procurando sempre atribuir-lhe uma função, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista estético cultural. Assim, Célio Nunes firmou sua fama de excelente contista. Sobre o livro, diz Plinio Aguiar "o que o escritor sergipano Célio Nunes chama de mocrocontos configura-se como um texto com poucas linhas, dosado com alta densidade ficcional e, como característica peculiar de sua prosa, enveredando pelo insólito, buscando surpreender sempre o leitor".

Falecimento

O jornalista e contista Célio Nunes morreu no final da manhã de 13 de agosto de 2009 em sua residência, à rua Carlos Burlamarqui, vítima de infarto agudo do miocárdio, aos 72 anos. Seu corpo foi velado na Osaf e o sepultamento realizado às 10 horas do dia seguinte no cemitério Santa Isabel. Simples, amigo de todos e amante da cultura sergipana, Célio Nunes iniciou-se no jornalismo nos fins dos anos 50, no seminário Folha Popular, órgão do Partido Comunista. Integrante da União da Juventude Comunista e do PCB, em 1959 vai para Salvador para concretizar o sonho de ser jornalista. Trabalha no Jornal da Bahia, depois na Tribuna da Bahia,mas fixa residência durante 13 anos em Itabuna, onde residia seu irmão, o poeta e também jornalista, Hélio Nunes, proprietário de uma pequena gráfica, onde editava o Jornal de Notícias. Além de desempenhar suas funções de jornalista no Diário de Itabuna e nos tablóides Desfile, Flâmula e SB Informações & Negócios. Em Ilhéus, teve passagem pelo Diário da Tarde e Correio de Ilhéus, dedicou-se a atividades culturais na região: diretor da Secretaria da Câmara de Itabuna e diretor do Departamento de Cultural da Prefeitura. Em 1964 durante o regime militar, ainda residindo em Itabuna foi preso pelo Exército por apoiar as Ligas Camponesas na invasão à cidade de Belmonte.

Retornando a Salvador em 1972, cursa os primeiros semestres do curso de jornalismo da Universidade Federal da Bahia – UFBA, registrado como jornalista profissional conforme lei de regulamentação de 1971, abandona o curso. Retornando a Aracaju, foi assessor de imprensa do antigo Condese e depois da Secretaria de Planejamento onde se aposentou. Trabalhou ainda na Gazeta de Sergipe (redator), Jornal da Cidade (redator e editor); e no Jornal da Manhã (redator, editor e diretor geral), onde criou o suplemento cultural Arte & Palavras que marcou sua passagem no cenário literário, divulgando poetas e escritores sergipanos, que não dispunham de maiores espaços nos jornais diários.

Fundador do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe, do qual foi presidente por suas vezes; membro da direção da Federação Nacional dos Jornalistas; Presidente da ASI – Associação Sergipana de Imprensa; chefe da Assessoria de Comunicação da UFS; Membro do Conselho Estadual de Cultura; Diretor-Presidente da Segrase – Serviços Gráficos de Sergipe. Publicou quatro livros de contos: Contos (1963); Trajetória para a Ilha dos Encantados (1980); Réquiem para José Eleutério (2000); O Diário de J.W. E outras Histórias (2005).

*GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luiz de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Foto e texto reproduzidos do blog: sergipeeducacaoecultura.blogspot

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 26 de setembro de 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário