quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Ariosvaldo Figueiredo (1923 - 2008)

  Foto: Jorge Henrique

Publicado em 15/01/2002.

Ariosvaldo Figueiredo.
Por Osmário Santos.

Ariosvaldo Figueiredo Santos nasceu na cidade de Malhador a 28 de novembro de 1923. Seus pais: Alcides Melo Santos e Maria de Lourdes Figueiredo Santos.

O Sr. Alcides era um homem de origem humilde, homem de muita luta que chegou a ser proprietário rural, dono de alambique e de beneficiamento de algodão. Dele, o filho herdou o espírito progressista, sempre acreditando no amanhã, não nos privilégios e privilegiados, mas no direito, na justiça, e na liberdade. De Maria de Lourdes, mulher muito justa, tipo de senhora dona de casa bem à moda antiga, aprendeu desde cedo a conviver com liberdade justiça.

Chegado o momento dos estudos, passou a ser aluno do Colégio Tobias Barreto. Seus pais resolveram morar em Aracaju devido à preocupação com a educação de seus seis filhos.

Com o professor José de Alencar Cardoso, o primeiro contato com os livros. Também recebeu aulas, nessa fase inicial dos estudos, das professoras Estelita, Briolangia e Mariinha. Estudou por dez nos no Colégio Tobias Barreto em dois expedientes. De Alencar Cardoso, comenta: “Era um homem que apresentava uma ferocidade por fora, talvez para esconder a generosidade do interior.

Uma época de Tobias, onde conviveu diariamente com mestres que marcaram uma das fases áureas da educação em Sergipe. Presta homenagem aos nomes dos professores Figueiredo, que ensinava Geografia e História, Artur Fortes e Abdias Bezerra. Uma geração de mestres que não eram apenas competentes, mas pessoas sérias.

Chegando até o quinto ano, último ano que existia no Colégio Tobias Barreto, necessitava fazer os dois anos do curso complementar, conforme legislação educacional da época. Foi, portanto, estudar no Colégio Atheneu.

Estando no Atheneu, estourou a Segunda Guerra Mundial, fonte perene de altas discussões políticas pelos estudantes. A atividade política do estudante cresceu. Não é por acaso que, em 1937, na ditadura de Getúlio, nasceu a UNE. Foi a fase áurea da UNE, porque não havia uma luta partidária, havia uma luta política.

Aliás, na minha geração, fui muito infeliz. Na minha adolescência, nós nascemos e crescemos na ditadura de Getúlio, implantada em 1937 e, na maturidade, conhecemos a ditadura de 1964.

Após muita participação na política estudantil ao lado dos colegas do Atheneu, com o término do curso complementar, foi fazer curso superior na Bahia. Fez vestibular em Salvador, passou em Agronomia e, surpreso, recebeu a notícia de que a faculdade em que ia estudar tinha sido transferida para Cruz das Almas.

Não cursou de imediato. Antes de ir a Salvador, fez um ano de CPOR no 28º Batalhão de Caçadores. Aproveitou e fez mais um outro ano do curso no Exército em Salvador. Quando terminou o curso do Exército, depois de fazer um estágio em Ilhéus, recebeu promoção militar. “Eu sou 2º tenente”.

Do lado do Exército, só tem a comentar, como lado negativo, a tomada de posição em 1964, quando foi contra o povo.

A gente tem que esquecer o que aconteceu em 1964, porque não interessa dividir a sociedade brasileira e vou dizer mais: as grandes causas deste país não nasceram dos sindicatos, nasceram nos quartéis. A criação da Petrobras nasceu nos quartéis. A luta com as oligarquias no Brasil foram feitas pelos militares em 1922, 1924, e em 1926 e pela própria revolução de 1930. Agora, o que aconteceu em 1964, por culpa também da esquerda, incompetente e leviana, é que jogaram os militares na direita. Eles não têm essa tradição no Brasil, não. Aí é que está o equívoco. Foi a maior tragédia, porque a esquerda jogou os militares na direita, que passou a conspirar nos quartéis. Certos esquerdistas incompetentes ficaram desejando criar um Exército popular no Brasil.

Deixando o Exército, foi estudar em Cruz das Almas, saindo entre 1948 e 1949 e veio exercer a profissão em Sergipe. Chegando por aqui, não conseguiu emprego dizendo que isso foi por causa de ser o Brasil, inclusive Sergipe, um condomínio dividido entre PSD e UDN. “Eu não era nem PSD nem UDN, sobrei”.

Desses partidos políticos, complementando o PR, disse que eles encheram Sergipe de sangue, de brigas, perseguições, mortes, até chegarem a 1964, quando todos se juntaram e fizeram a ARENA.

Como o pai era amigo de um sergipano que morava em Minas e que era o presidente da UDN daquela cidade, um advogado e professor chamado Alberto Deodato, conseguiu espaço para início de profissão. O secretário de Alberto Deodato era Francelino Pereira.

Em Minas, passou 10 anos como funcionário da Secretaria de Agricultura do Estado. Por considerar o afeto o lado mais bonito da vida, com a morte do pai, veio para Sergipe, a fim de estar junto com os irmãos. Chegando aqui, estando o Banco do Nordeste em fase de instalação, passou em concurso, obtendo o primeiro lugar, com direito a escolher a agência em que queria trabalhar. Optou por Aracaju, sendo o primeiro fiscal orientador do Banco do Nordeste.

Quando estava no auge da carreira bancária, fez um plano de reclassificação de cargos para todo o banco e foi vitorioso. Como castigo, recebeu do presidente do banco transferência para ir trabalhar na cidade de Natal. Revoltado com tal situação, pegou o avião e foi até a sede do banco na cidade de Fortaleza.

Quem me transferiu, Olavo Galvão, tinha acabado de sair, e estava entrando Raul Barbosa, que foi até governador do Ceará em 1950. Quando cheguei, o Dr. Raul Barbosa tinha tomado posse na véspera. Me recebeu muito bem e logo me disse que já estava sabendo da minha história. Me recomendou ir para Natal, prometendo que, passados 30 dias, me colocaria de volta a Aracaju. Já que ele não podia desfazer o ato, fui para a máquina e pedi exoneração do banco.

Chegando em Aracaju, aceitou o convite do ex-colega de Cruz das Almas, Engenheiro Agrônomo Passos Porto, para trabalhar com ele no Ministério da Agricultura em Sergipe, cargo para o qual tinha sido recém-nomeado.

Passado um bom tempo, foi colocado à disposição do Colégio Agrícola Benjamim Constant, como professor. Ensinou de oito a nove anos sobre técnicas agrícolas, dizendo que sempre se sentiu bem em sala de aula.

Em 1955, marcou presença na Gazeta Socialista, fundada por Orlando Dantas. Da equipe básica da Gazeta Socialista, cita os nomes de Tertuliano Azevedo, Hildebrando de Souza Lima e Orlando Dantas.

Já tinha, deste o tempo de estudante de Agronomia, desenvolvido trabalho jornalístico como articulista, experiência que lhe valeu a conquista de espaço na Gazeta de Orlando. Juntando a isso, uma sintonia com a linha de pensamento de Orlando Dantas. “Tanto que, nós tivemos uma convivência de quase trinta anos”.

Na Gazeta, Ariosvaldo desenvolveu um trabalho jornalístico polêmico, tendo penetrado em problemas até então deixados de lado pela imprensa de Sergipe: o problema do negro em Sergipe, o problema da mulher, o problema das minorias. “Sempre fui e sou naturalmente polêmico”.

Escreveu, diariamente, por mais de dez anos, sempre incomodando a sociedade sergipana, que sempre foi uma sociedade conservadora e reacionária.

Eu sobrevivi com os problemas de Sergipe por causa de Orlando Dantas. Com o tempo, é que eu fui perceber essas coisas. Como eu tinha total liberdade na Gazeta, eu era um cara, modéstia a parte, lido por todas as classes, lido por todo mundo, mesmo os que não concordavam. As idéias originais eram colocadas em minha coluna e Orlando as escrevia no editorial. Não ficava um problema de Sergipe que não fosse discutido. E qual era a nossa divisa? A luta pelo desenvolvimento, a luta contra a violência e a luta contra a corrupção. Orlando doutrinou, Orlando fez escola. Quem primeiro discutiu, em Sergipe, o problema de planejamento regional foi Orlando e eu, antes da SUDENE. Não foi José Aloísio de Campos. Isso que dizem de Aloísio de Campos é a pessoa que está pagando os empregos recebidos. Ele não era nem um economista formado. Era um economista por força de lei. Contador esforçado, tudo certo. Burocrata, tudo certo. Mas dizer que ele criou, nada disso ele criou. Entre 1923 e 1926, Orlando já escrevia sobre problemas econômicas e sociais.

Foi escolhido por unanimidade, paraninfo da 1ª turma de técnicos agrícolas de Sergipe, fato que gerou o cancelamento da formatura. Desgostoso com isso, deixou o Colégio Agrícola de lado.

Recebendo Seixas Dórea, candidato a governo, o apoio de Orlando Dantas, Ariosvaldo não concordou com a posição do amigo. A fim de evitar uma briga por problemas políticos, resolveu partir de Aracaju, indo morar no Rio de Janeiro, para fazer o curso no Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB, considerado a grande trincheira de renovação cultura e política do país.

Nomeado por Armando Rollemberg, trabalhou como responsável da Superintendência da Reforma Agrária no Estado de Sergipe, cargo que lhe deu bastante dor de cabeça.

Tanto que eu tive ameaça de morte, na época. Disseram que eu era comunista, era agitador, que estava abrindo as pernas. Tudo montado por meia dúzia de picaretas. Na área política, essa campanha sórdida era dirigida pelo Rosendo Ribeiro e José Raimundo. Também são figuras horrendas.

Com o Golpe de 64, foi preso, perdendo todos os empregos. Quando veio o AI 5, o primeiro visado era a Gazeta.

Então, nós, eu e Orlando Dantas, que até o dia do golpe éramos democratas e sempre fomos democratas, nunca comunista, isso era público e notório, tornamo-nos comunistas e fomos para a cadeia. Orlando chegou a ir ao quartel e eu já estava preso.

Ariosvaldo passou três meses preso e fez a surpreendente revelação de que, durante o período em que esteve preso, nunca foi ouvido em nenhum interrogatório. “Só me ouviram, depois que eu saí da cadeia”.

Antes de ter sido preso, já tinha feito o curso superior de Direito, na Faculdade de Direito de Aracaju, período em que presidiu o diretório acadêmico da faculdade. Também foi presidente do diretório da Faculdade de Agronomia em Cruz das Almas.

Sem poder exercer funções públicas no período do golpe, foi advogar e teve bastante tempo para desenvolver seus trabalhos de pesquisas e literatura. Uma fase de muitas produções, que lhe possibilitou publicar vários livros. Livro sobre o índio, sobre o problema nacional do potássio e o primeiro livro sobre o negro em Sergipe.

Convidado para ensinar Sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas, passou a ocupar suas noites dando aulas. Com a Criação da Universidade Federal de Sergipe, que incorporou todas as escolas de nível superior, Ariosvaldo passou a ser professor da UFS. Faz questão de dizer que não saiu da universidade por problema de aposentadoria, e sim por ter pedido exoneração.

Até o pessoal da Universidade deveria ter dito que tinha pedido exoneração e isso eu pedi, pela falta de caráter de muitos professores, pelo baixo nível de muitos alunos. Eu não vou sair de minha casa para me aborrecer. Aí foi quando eu percebi a gravidade da crise brasileira, que chegou até a universidade. O que tem aí é uma caricatura. Isso não é uma universidade. Ela é primária e inidônia, mistificadora, quando deveria ser o centro cultural do Estado. É por isso que nenhum governador deu atenção à universidade, porque ela não se preza, não tem dignidade. É cabide de emprego de muitos, negócios de outros. As exceções você conta nos dedos.

A fim de justificar tanta demora para tal descoberta, pois só saiu da universidade no ano passado, declarou: “eu sou muito generoso”. Depois complementou:

Honestamente se eu contrariei alguém, eu fiz involuntariamente. Eu escrevi durante mais de dez anos, diariamente, nunca fiz um artigo contra ninguém. É de minha formação. Então muita gente, que eu sempre tratei com atenção e respeito, eu fui perceber depois que eram canalhas. Daí porque eu digo sobre a minha generosidade. Fique certo, é até uma lei da psicologia e vale até como advertência. Tem muita gente que não tem um terço daquilo que a gente fez. Elas não existem, elas existem na imagem que a gente construiu. Pelo que eu vi, eu não perco a fé no ser, porque eu acredito no ser humano. E como dizia o grande escritor Romen Holand, eu sou capaz de pensar só no meio de todos e de pensar só contra todos.

Em 1964 foi preso como comunista, afirmando que nunca foi e, em 1980, foi convidado por Albano Franco para ser seu assessor na CNI.

E como é que um empresário, presidente da CNI, vai convidar um comunista para ser assessor? Claro que não! Me convidou, porque eu conheci Albano como estudante e, ainda hoje, não concordo com ele, politicamente, mas me dou com ele como pessoa humana. É preciso distinguir as coisas.

Comenta que Albano Franco foi quem primeiro, no Brasil, liderou a crítica da política econômica financeira da ditadura num discurso no qual teve sua participação.

Nunca se sentiu só na vida, dizendo que tudo isso são coisas qualitativas.

A sintonia do pensar, do querer, da solidariedade, do melhor, o contrário do que está aí hoje. Eu sou o oposto. Eu sou a luz, eu sou a construção. E hoje ainda tem gente que pensa assim, embora seja uma minoria. É como amizade. Você sabe que a amizade é um problema qualitativo. A gente conhece muita gente, mas quer bem a poucos.

Candidatou-se a deputado federal em 1986 para ser deputado constituinte, por achar que poderia prestar um grande serviço ao seu Estado e até ao país. Não foi eleito e queixa-se: “Nenhum político cresce sem grupo”.

Sobre a mentalidade política de Sergipe:

Houve um atraso de mil por cento, acontecendo um retrocesso escandaloso. Ninguém mais conservador do que Leite Neto, mas ele tinha espírito público, ele acreditava no povo. Ele tinha interesse em servir ao seu Estado. Armando Rollemberg, um homem conservador, mas um homem sério, que tem espírito público. Eles não se elegiam para ganhar dinheiro, para fazer política com empreiteiras. Hoje só se cuida disso. Não há liderança séria em Sergipe. Isso aí é um caos. Ninguém precisa ser cientista político, cientista social, para saber que esses homens não vão fazer bem a Sergipe. Não há condições.

É o único escritor sergipano que vende o que publica.

Nunca nenhum órgão público financiou meus livros e olha que eu já vendi uma cacetada (sic). Sou o escritor mais lido , mesmo os que não gostam de mim. Já publiquei 16 livros.

É da Academia Sergipana de Letras e conta por que aceitou usar o fardão:

É porque a academia me esculhambava constantemente. Eu era comuna, eu era vermelho e disso eu fazia uma farra. Então eu raciocinei, se ela dizia isso comigo sem eu nunca ter feito nada contra ela, chegou a hora de ela engolir o vômito. Tomei posse, e até logo. E você vê que ela vem caindo. Elege pessoas que não têm obras publicadas.

Do casamento:

Eu nunca gostei de casar, porque eu acho o fim, não agüento, não tenho saco. Eu tenho amigas, vem aqui, passa oito dias. Primeiro eu tenho recurso financeiro, posso fazer isso. Mando a passagem ela vem o dia que quiser, volta e até logo. Outra coisa: nunca quis uma mulher dependente de mim, porque toda dependência é escravizadora. Eu acho fundamental, para a mulher, ter seu emprego, sua independência financeira e sua independência de amar a quem quiser. Amar sim, e não se prostituir. Porque hoje a mulher está se prostituindo. Toda essa estrutura que está aí é contra a mulher, viu? É para prostituir a mulher, não é liberdade não. Observe toda liberdade que tem aí. Eu lembro o caso de uma aluna minha de 18 anos, que eu pergunto pela colega, cadê fulana? Está grávida? Grávida? Não sabe nem usar o corpo? Não estão sabendo serem livres, ninguém rompe isso sem cultura. Taí a crise existencial de muita gente. Se não me engano foi Pio XI, um homem extremamente conservador, que dizia: ‘O dinheiro é uma beleza quando é o nosso escravo, mas é uma tragédia quando é nosso senhor’. Se a gente comanda a vida, a vida nos dá em troca muita coisa. E não está comandando. É a crise da sociedade brasileira.

De amor e sexo: “Eu não amo dentro dos modelos. Sexo é fundamental só que o sexo não vai aonde o amor chega. A maioria trepa (sic), não ama “.

Texto reproduzido do site: osmario.com.br

Postagem originária da página do Facebook/Minha Terra é SERGIPE, de 30 de janeiro/2014.

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