quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Cantar de Adriadne, de Wagner da Silva Ribeiro

Teseu abandona Ariadne na ilha de Nexos
Tela de James Herbert Draper.

Publicado originalmente pelo blog Academia Literária de Vida,
em 16 de dezembro de 2012.

Cantar de Adriadne, de Wagner da Silva Ribeiro
Por Maria Lígia M. Pina.

Cantar de Ariadne é o atual lançamento poético de Wagner da Silva Ribeiro. Como outros livros da sua autoria é inspirado na Mitologia Grega. Trata da Lenda do Minotauro de Creta que exigia da submetida Grécia o imposto anual de 14 jovens (sete moças e sete rapazes) para serem devorados pelo monstro. Numa dessas levas foi o jovem Teseu, que já era conhecido e louvado por seus feitos heróicos. Teseu, louro e belo, encantou a filha de Minos, rei de Creta. Apaixonada, Ariadne ofereceu a Teseu o meio de penetrar no Labirinto e matar o Minotauro: um novelo de linha para guiá-lo na ida e na volta e uma lâmpada para clarear o tortuoso caminho. Livre, liberto o povo ateniense, Teseu abandona Ariadne na ilha de Nexos. O beneficiado repudia a benemérita e mais, levando consigo Fedra, irmã de Ariadne. Sozinha na ilha, a jovem princesa cretense entra em desespero, lembrando as falsas juras de amor do seu amado. Chora, soluça até lágrimas não mais ter. e promete nunca mais amar. Mas... de repente se espanta ao se ver pensando em encontrar outro amor, alguém que realmente a ame.

Wagner empresta a sua verve a Ariadne, que exclama:

Cego amor, que tão cedo me atingiste,
ó foi tão curto o tempo de prazer,
não deixes que se estenda o do tormento.
Reacende a chama dos meus olhos e
faz que, olvidando o que colheu primícias,
possa eu viver um novo e longo enleio.
E recobrando a lucidez, exclama:
Mas que súplica é essa, eu ensandeço?
Inda o peito a sangrar e cortinado
o olhar por este pranto tão profuso
que também me reprova a ingenuidade:
inda quando esta dor não merecida
maldiz Teseu e o ódio que secreta
clama aos céus que o fulmine a qualquer preço,
– se nunca mais puder tê-lo ao meu lado.

De repente, ouve música:

Uma longínqua música me chega
Entrecortada pela voz do vento.
Não me parece um canto dissoluto
que já retorne ao seio do silêncio.
Vem num crescendo; ou a minha alma ferida,
desesperada busca um lenitivo.
– Quem sabe, essa longínqua música, – quem sabe,
um adejo divino sobre as mágoas?
– Ao coração falou-me antes que o ouvido a percebesse.

E ela compreende: não foi o acaso que a levou àquela ilha. E ouvia mênades, flauta, tamborim. Diante daquela música, sobe ao monte e de repente, todo o seu pesar, toda a sua dor desaparece, vendo Dionísio dançar para ela. Sem que ordem fosse dada e sem concerto
fez-se silêncio, e um círculo formou-se
em torno de mim e ao deus, que, sem palavras
tanto me disse com o belo sorriso
e um olhar todo de ternura feito.

Estava superada a dor de Ariadne. Todo aquele desfecho havia sido programado no Olimpo... Só um amor cura a dor de outro amor.

E Teseu? Voltou para Atenas tão feliz que esqueceu de trocar as velas fúnebres do navio pelas brancas. E Egeu, avistando as velas negras, supondo que o filho tivesse morrido, atirou-se ao mar que recebeu o seu nome. Sentiu Teseu na carne o seu momento de dor. Mas Cronos se encarrega de fazer passar todo o mal e todo o bem. No fim, toda amargura é saneada. Todo pranto é enxugado.

Encantou-me o Cantar de Ariadne, mais que Os Cantares do Mar Egeu. Talvez porque a dor da princesa de Creta é mais próxima de nós. É dor humana. Dor que nos curva sob o peso de uma grande perda que não necessariamente a do amor entre homem e mulher. Pode ser a perda da mãe, do pai, do filho ou de um bem qualquer. Dor que para ser superada há de encontrar um outro objetivo: veja a mãe do cantor Cazuza. Superou o sofrimento dedicando-se a melhorar a vida de outros portadores do HIV. Luciano Barreto, realizando o ideal do filho morto. E tantos outros... ou extravasando a dor até a última gota, lançando-a no papel, em prosa ou em verso. E como Ariadne, de repente a dor desaparece... some...

Wagner expôs em versos tão belos, translúcidos e musicais, a dor de Ariadne que eu senti o coração apertado. Parabéns, Wagner, por mais um precioso livro, trazendo de volta para nós o encanto da Mitologia Grega, da qual também sou fiel admiradora e cantora.

Texto e imagem reproduzidos do blog: academialiterariadevida.blogspot.com.br

Postagem originária do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 2 de janeiro de 2017.

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