Publicado originalmente no Facebook/Lucio Prado Dias, em 28 de fevereiro de 2017.
Alexandre Gomes de Menezes Netto - Tributo a um Colega e
Amigo.
Por Lúcio Antônio Prado Dias.
Alexandre Gomes de Menezes Neto nasceu em Recife, em 8 de
julho de 1926, filho de Alcindor Soares de Menezes, um sertanejo de
Petrolândia, comerciário que se casou com uma filha de senhor de engenho já em
decadência, por causa do debacle dos engenhos de açúcar bangüê. Sua vida foi de
um garoto normal, de classe média, um pouquinho abaixo da média. Com nove anos
seu pai faleceu e sua mãe teve que assumir a família com quatro filhos, ele era
o segundo.
Mas Dona Alice da Costa Menezes, a mãe dele, deu conta da
família, a princípio fazendo o que aprendeu por diletantismo, que era a costura
e depois, graças ao parentesco de seu pai com Agamenon Magalhães, que foi
interventor em Pernambuco, veio a conseguir modesto emprego numa repartição
pública de Recife, no Departamento de Saneamento. Pessoa firme e tenaz, mulher
extremamente bem orientada, apesar de nunca ter ido a uma escola, Dona Alice
possuía uma relativa cultura e colocou os meninos em bons colégios em Recife.
Alexandre foi estudar então no Colégio Padre Félix, em
Recife, cujo proprietário era o padre Félix Barreto, que foi político de
prestígio da UDN como deputado influente e chegou inclusive a assumir
interinamente o governo de Pernambuco como presidente da Assembleia
Legislativa. Nesse colégio, Alexandre fez todos os estudos até o terceiro ano
científico. Próximo ao final do curso, com 17 anos, conseguiu um emprego no
Departamento de Saneamento de Pernambuco, como Auxiliar de Escrita. Três anos
depois, foi nomeado para a Delegacia Fiscal como Exator Federal, cujo salário
era razoável e, por isso, fez o curso médico sem deixar o emprego. Na época, a
Faculdade de Medicina do Recife era uma instituição particular e o que ele
ganhava na trabalho ajudava a pagar a Faculdade.
Formou-se em 1952 e um ano depois foi trabalhar na cidade de
Princesa Isabel, na Paraíba, logo dirigindo o Posto de Puericultura Dom
Hernandes. Fez curso de especialização em tracoma pelo Ministério da Saúde, uma
doença prevalente à época. Terminado o curso foi nomeado para dirigir um posto
de tracoma em Bananeiras, também na Paraíba. Durante sua permanência nessa
cidade, dirigiu a maternidade local.
Em 29 de dezembro de 1954 casou-se com Dona Maria Leônia de
Menezes e três dias depois do casamento, arrumou as malas e foi para Recife onde
fez nova especialização na doença. Permaneceu em Bananeiras até 1957
transferindo-se para Belo Horizonte onde permaneceu por seis meses, realizando
cursos no instituto Nacional de Endemias Rurais, depois Instituto René Rachout.
Com a formação adquirida, poderia escolher um estado do Nordeste para
trabalhar. Optou vir para Sergipe para cumprir uma “missão.”
O recenseamento geral da República de 1950 apontava Sergipe
como o estado brasileiro que tinha o maior índice de cegueira e a cidade de
Frei Paulo com o maior número de cegos. Recebeu ele a missão, através do DNERU
(Departamento Nacional de Endemias Rurais) de descobrir as causas da cegueira
que alguns atribuíam ao tracoma. Comandava o órgão em Sergipe o Dr. Pedro
Rubens da Costa Barros. Estávamos em 1958 e depois de muito trabalho, visitando
as escolas de todos os municípios sergipanos, Alexandre verificou que os casos
de cegueira não eram decorrentes do tracoma e sim provocados por uma
conjuntivite gonocócica neonatorum.
Para fazer a pesquisa concentrou o trabalho nas escolas,
visitando todas elas, públicas e privadas, de todos os municípios do estado.
Descobriu muitos casos de tracoma também, identificando a sua origem e operando
todos os casos de sequelas que encontrava. Na época chegou a receber a crítica
de oftalmologistas de Aracaju, que contestavam os números da doença, alegando
que não viam esses casos chegando a seus consultórios. Nem poderia, porque o
tracoma atingia mesmo era a classe mais pobre, que nunca chegaria aos seus
consultórios. Quem quebrou a desconfiança foi o Dr. Lauro Porto, que o convidou
para operar um caso no Hospital de Cirurgia e daí veio o reconhecimento do
problema. Com a influência de Lauro, ele ganhou um aliado de peso.
Mas o reconhecimento de fato ao trabalho de pesquisa sobre o
tracoma veio depois, quando o Dr. João Batista de Lima, que dirigia o posto de
saúde do SESP, na capital, levou o colega aos irmãos Luiz e Antônio Garcia, que
queriam ter mais conhecimento sobre o tracoma entre nós e que informações ele
teria para mostrar. A enquete epidemiológica que ele fizera anos atrás foi
então passada para eles e por iniciativa de Dr. Nestor Piva, publicada com
destaque na Revista do Centro de Estudos do Hospital de Cirurgia, com o título
“O tracoma em Sergipe”.
Em 1960, Alexandre fez também um trabalho portentoso sobre
as condições gerais de saneamento em Aracaju, um levantamento sobre toda a
condição sanitária de Aracaju e de suas residências, verificando água, luz e
esgoto. Esse trabalho chegou às mãos do vereador Dr. Costa Pinto que fez uma
ampla divulgação na Câmara de Vereadores. Devido à grande repercussão, o
governador Luiz Garcia ordenou à DESO fazer as ligações de água de forma
gratuita e passou a financiar também a luz elétrica. Essa ação trouxe uma
grande melhoria para cidade. Com isso, o nome de Alexandre passou a ser
comentado e enaltecido. Em 1963, o governador Seixas Dória o convida para o
cargo de Diretor Geral de Saúde Pública, com status de secretário e com a
missão de fazer o anteprojeto de criação da secretaria, que só viria a ser
implementada, no entanto, no governo seguinte, o de Celso Carvalho. Na
deposição de Seixas, em 1964, pelo golpe militar, Alexandre não era mais o
“Secretário”, já havia pedido exoneração, desencantado com a burocracia e as dificuldades
para atuar.
Com o advento da Faculdade de Medicina, os médicos Antônio
Garcia e Fernando Sampaio visitaram o DNERU para convidar o Dr. Pedro Rubens
para ser o primeiro professor do curso de parasitologia, após a recusa de Dr.
Armando Domingues, que morava em Salvador onde possuía um laboratório de
análises clínicas, de regressar para Aracaju. Pedro Rubens também não aceitou o
convite mas indicou o nome de Alexandre Menezes que, por sua vez, vaticinou:
“Eu vou, mas levo os colegas Cleovansóstenes Aguiar e José Nóbrega Dias comigo,
para dividir a responsabilidade, cada um ficando com uma área”.
Garcia e Sampaio aceitaram a proposta dele e o curso de
parasitologia foi ministrado em 1963, no terceiro ano de fundação da faculdade.
No ano seguinte, passou a fazer parte do segundo ano do curso médico. Sem
receber salários por mais de um ano, lembro-me da conversa que tive com Dr.
Alexandre, tempos atrás. Dizia-me ele: “ a gente assinava os recibos dos três
primeiros meses do ano e mandava para o ministério, que só liberava o pagamento
no final do ano. Mas aí chegava Antonio Garcia e Fernando Sampaio e diziam:
aqueles recibos, que você assinou, o dinheiro chegou, mas abra mão, a faculdade
tá precisando tanto, muitos alunos estão inadimplentes e é tão pouquinho, deixa
pra lá. O que a gente podia fazer?”
A minha convivência fraterna com o Dr. Alexandre começou de
fato em 1994, com a fundação da Academia Sergipana de Medicina. Ele foi o meu
professor na Faculdade de Medicina, é fato, mas não desenvolvemos nenhum tipo
de relacionamento. Participando do grupo inicial comandado por Gileno Lima, que
preparou o anteprojeto de criação da Academia, Alexandre foi uma dos seus
maiores sustentáculos morais e éticos.
Membro fundador da Cadeira 02, que tem como patrono o Dr.
Antônio Militão de Bragança, produziu uma alentada biografia de seu patrono e
foi o nosso maior “legalista”, evocando o cumprimento rigoroso do estatuto e do
regimento do sodalício, sempre presente em todas as reuniões, ordinárias,
extraordinárias e solenes, enquanto a sua saúde permitiu. Mesmo sem comparecer
às sessões dos últimos anos, Dr. Alexandre mostrava-se atento e vigilante,
ligando-me por diversas vezes para dar opiniões e me aconselhar sobre os
caminhos a ser seguidos, como um farol a iluminar a nossa trajetória. Ficamos
amigos e confidentes, em mútua admiração.
A morte desse grande vate, ocorrida nesta terça-feira, 28 de
fevereiro de 2017, vai encerrando aos poucos um ciclo de ouro da nossa
Medicina, onde restam poucos pra contar as histórias que ele sabia, que não
eram poucas. Uma perda irreparável para a nossa Academia e para a Saúde Pública
de nosso Estado. Sua vida e a sua obra serão eternas e o seu legado permanecerá
sempre vivo na minha memória, por seus feitos, suas histórias e “causos”, sua
irreverência e fina ironia mas, principalmente, pela sinceridade e lealdade, a
meu ver, as marcas maiores de sua personalidade.
Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Lucio Prado Dias.
Postagem originária do Facebook/Grupo Minha Terra é SERGIPE, de 01 de março de 2017.
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